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Mulheres estão exaustas

por Laura Costa

Em um país onde a violência é latente e a violência de gênero é gritante, muitos tendem a colocar a saúde mental e a violência psicológica em segundo plano. Para muitos, em um país que tem um caso de estupro a cada oito minutos, falar de saúde mental é luxo. Ou mimimi, eles dizem. É importante lembrar que isso é um erro gigante.


Nossa sociedade coloca o lugar da saúde mental como responsabilidade da vítima.


  • “Está com depressão?”

  • “Lava essa cara e segue em frente”.


Como se fosse simples assim. E não é. Precisamos falar da saúde mental de mulheres que são vítimas de violência psicológica, por exemplo. Para quem não se lembra, em julho de 2021, a violência psicológica foi classificada como um novo tipo penal no Brasil. Violência psicológica é CRIME, não mimimi. Aproveito, aqui, para indicar a série Maid, da Netflix, que trata exatamente dessa temática.


A série provoca reflexões MUITO importantes sobre o lugar de invisibilidade da violência psicológica. Em muitos casos, a violência psicológica e a violência patrimonial (sofridas pela protagonista da série -Alex-) são as primeiras violências sofridas dentro de um relacionamento abusivo, que caminha para agressões físicas (por isso dizemos tanto sobre interromper o ciclo de violência nos primeiros sinais). No entanto, em alguns casos, as vítimas de violência psicológica (sem agressão física) não sabem como agir, por muitas vezes nem saberem que isso também é CRIME.


Algumas realidades que a série escancara machucam como, por exemplo, a falta de políticas públicas coerentes para amparar mulheres em situação de violência psicológica ou as injustiças do sistema judiciário que corrobora, tantas vezes, com a lógica do patriarcado. Ou as inúmeras oportunidades que Alex deixa de ter por preconceito da sociedade (e até de outras mulheres). Ou o fato de que sua mãe também é vítima crônica de violência doméstica há anos e que provavelmente há uma noção profunda de submissão passada de geração pra geração.


Dói quando a responsável pelo abrigo das mulheres diz a estatística que normalmente as mulheres voltam pro agressor de cinco a sete vezes, até se estabelecerem no abrigo e procurar ajuda definitivamente. Dói saber que a dependência emocional é agravada pela dependência financeira e que faltam políticas de distribuição de renda nesse sentido.


Que essa série seja motor para pensarmos as mudanças que precisamos! Que possamos ser ponte de acolhimento e informação para que mães solo, como Alex, não sigam tão desamparadas nesse processo tão doloroso! Nesse sentido, debruçar sobre violência psicológica e saúde mental é importantíssimo, como fator de combate a essas múltiplas violências e também como fator de prevenção e promoção do acesso à saúde.


É necessário lembrar que para além das agressões psicológicas cometidas por alguém, precisamos nos lembrar que nossa sociedade é violenta e misógina em relação às mulheres. Mulheres estão exaustas. Exaustas de não poder ser quem são, de não poder gritar aquilo que está silenciado, exaustas de terem que se provar a todo momento. Uma série de pesquisas sobre Igualdade de Gênero demonstram como as mulheres são desproporcionalmente cobradas em relação aos homens no trabalho, por exemplo. Mulheres têm que se esforçar muito mais para provar seu valor e para provar que merecem estar em determinado espaço. Mulheres são originalmente e previamente questionadas. Sim, estamos exaustas de tudo isso!


Estamos exaustas de micro violências. Exaustas de sermos interrompidas (manterrupting) de ter nossas ideias apropriadas (bropriating) de sermos chamadas de loucas ou histéricas quando estamos sendo assertivas (gaslighting). Exaustas das duplas ou triplas jornadas de trabalho. Exaustas da pandemia e suas cobranças: os dados não mentem quando vemos que 50% das mulheres passaram a se responsabilizar pelo cuidado de alguém na pandemia. Entre elas, 80,6% passaram a cuidar de familiares, 24% de amigos/as e 11% de vizinhos. E 41% afirmaram trabalhar mais na quarentena. Estamos exaustas de homens que chamam de “ajuda em casa” aquilo que deveria ser obrigação básica. Exaustas da falta de auto responsabilização e daqueles que ainda defendem que temos que estar sempre “educando e ajudando os homens a serem melhores todos os dias”, enquanto somos sugadas. Exaustas da positividade tóxica que também nos cerca.


Espero que diante de toda essa exaustão mental que 2021 já nos causou, principalmente diante de um país desgovernado por Bolsonaro e das inúmeras crises diárias, possamos respeitar nossos limites e saber cuidar da gente e daquilo que somos. Que possamos compreender que viemos de trajetórias e lugares distintos e desiguais. Que possamos ser mais pacientes com nós mesmas e com as outras. Que possamos ser fonte de acolhimento, descanso, abraço e fortaleza umas para as outras.


Já disse e repito a frase de Marcia Tiburi: “feminismo é contrário de solidão”.


Espero e luto para que nunca estejamos sós nessa jornada.


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