O racismo e a Síndrome da Senhorita Morello

Por Aretha Soyombo

Porque sempre esperar uma história de superação de uma pessoa negra também é um reflexo do racismo?

Ano passado eu abri uma enquete no meu Instagram, perguntando para os meus seguidores negros se alguma vez eles já foram colocados naquele lugar de “sofredor” por pessoas brancas antes que essas soubessem suas histórias pessoais, e 77% das pessoas que responderam a enquete afirmaram que sim. É extremamente comum, para nós pessoas negras quando temos acesso a alguns espaços socialmente elitizados, que as pessoas nos questionem sobre COMO conseguimos chegar lá e na maioria das vezes essas pessoas esperam uma história de superação. Quando eu falei disso no meu Instagram, eu ainda dei o exemplo da Iza, que estudou na PUC e falava inglês fluentemente antes da fama e muitas pessoas se assustaram ao saber que ela já era oriunda de uma família de classe média. Uma vez em uma roda de conversa, na época eu era universitária ainda, estudante da UFMG, e a diretora do colégio onde a roda de conversa estava acontecendo, pediu para eu contar “todas as dificuldades que eu passei para chegar onde eu cheguei”.

Na hora eu fiquei pensativa, porque eu não tinha passado nenhuma dificuldade, mais pensativa ainda eu fiquei depois, tentando entender o que tinha feito aquela mulher ter pensado que eu havia passado por dificuldades.

Vivendo em uma sociedade socialmente desigual e racista como o Brasil, nós sabemos bem que vender uma história de superação relacionada a qualquer pessoa negra é não só, uma maneira de perpetuar o racismo, mas também é problemático por querer vender a ideia de meritocracia, e deixar esse ideal intrínseco de modo direto ou indireto na mente das pessoas. Aquela coisa de “se ela conseguiu, qualquer um também consegue”.

A síndrome da senhorita Morello (personagem do seriado Todo Mundo Odeia o Chris), também é uma das facetas do racismo. Quando você (de modo geral) já tem ideia pré-concebida de uma pessoa negra simplesmente por ela ser negra, sem ser de modo direto, você ja está sendo racista. Ser antirracista não é apenas reconhecer os privilégios raciais, mas também é normalizar o fato de que pessoas negras podem ocupar os mesmos espaços que pessoas brancas e terem tido a mesma trajetória que uma pessoa branca comum.