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Preto ou branco? Um dilema para análise (literalmente)

  • Foto do escritor: gritaprojeto
    gritaprojeto
  • 1 de set. de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 2 de jun. de 2022

por Marina Otaviano


Não é segredo para ninguém que a pandemia tem sido um período completamente caótico. Além da crise sanitária, nós brasileiros ainda precisamos lidar com um governo genocida, crise econômica, crise ambiental, uma quarentena interminável e o luto constante pela perda de parentes, amigos e conhecidos por conta da infecção por COVID-19.


Nesse contexto desesperador, muitas pessoas arrumaram formas variadas e criativas de manter a sanidade mental e física, desde a mais pura alienação (Alô BBB!), aulas de Yoga, lives no Instagram, pintura, crochê ou marcar um momento do dia para chorar igual um bebê enrolado em uma coberta ouvindo Periclão (Sim, isso foi muito específico, mas garanto a vocês que estou bem rs) até a boa e velha terapia.


Eu, como mulher negra e estudante de psicologia, reconheço que voltar para a terapia no final de 2019 foi extremamente importante para que eu conseguisse lidar não somente com os traumas passados, mas também com a avalanche de acontecimentos que se sucederam nos anos seguintes, principalmente aqueles que envolviam os casos de racismo e brutalidade policial.


Desde 2020, principalmente após o Black Lives Matter, notei uma maior movimentação de pessoas negras nas redes sociais a procura de atendimento psicológico, pois assim como eu as pontas começaram a ficar bem difíceis de segurar. Só que também percebi que muitas dessas pessoas sempre destacavam que tinham interesse em se consultarem apenas com psicólogos negros e logo uma pulguinha se instalou bem ali atrás da minha orelha.


Eu sempre digo que toda história tem dois lados, e nesse caso não seria diferente. Eu não sei se vocês também perceberam, mas o fato de que nós, pessoas negras, estejamos à procura apenas de psicólogos negros não somente demonstra que de alguma forma o estigma da terapia como “coisa de branco” esteja diminuindo e que estejamos valorizando o trabalho dos nossos, mas que nós também temos muito medo de sermos violentados por profissionais brancos em ambientes que deveriam ser lugares de cuidado, como um consultório psicológico, por exemplo.


Para ser mais clara, podemos comparar essa situação à preocupação que nós, mulheres, temos no momento de escolhermos ginecologistas mulheres ao invés de ginecologistas homens para nos consultarmos, porque temos medo de sermos abusadas sexualmente. A terapia, assim como uma consulta ao ginecologista, também é um momento no qual nos sentimos extremamente vulneráveis, e para uma pessoa negra se permitir estar vulnerável já é um trabalho e tanto! Então só de imaginar que neste momento exista uma possibilidade de que nós sejamos violados pelo racismo é aterrorizante.


Veja bem, de forma alguma estou dizendo que exista algo de errado em procurar um profissional que vá te fazer se sentir mais confortável durante o processo terapêutico, muito pelo contrário, é super importante que a relação entre o psicólogo e o paciente seja de confiança e que o ambiente proporcione segurança para que o paciente possa expor suas questões mais profundas. Mas não deveríamos pensar em uma forma que todas as pessoas, sem distinção, se sintam seguras para buscar ajuda sem medo de serem discriminadas?


A verdade é que precisamos nos assegurar de que a saúde mental seja para todos, e que assim como eu, que pasmem, faço análise com um analista junguiano branco (e homem), todas as pessoas possam escolher os profissionais não com base na diminuição da probabilidade serem violentadas, mas com a certeza de que acima de tudo seremos tratados como seremos humanos com dores e amores que precisam e serão ouvidos e compreendidos.


Falando como estudante de psicologia que sou, acredito que está passando da hora de descolonizarmos o acesso a saúde nesse nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza (Ê que belezaa...), está na hora de pensarmos uma psicologia voltada para a realidade brasileira, para os problemas sociais, raciais e de gênero do Brasil. É preciso que as universidades falem mais sobre interssecionalidade, falem de psicólogos e psicanalistas pretos, como a primeira psicanalista negra brasileira, Vírginia Leone Bicudo, e principalmente forme profissionais atentos para os riscos de se reproduzir padrões opressivos e discriminatórios dentro dos consultórios.


Bom, acho que é isto! Eu vou ficando por aqui, até mais! Se lembrem de usar máscara e fiquem em casa! E para você, pessoa preta que está lendo este texto, eu sei que às vezes dá medo, mas faça terapia se puder. Cuide da sua saúde mental, você merece receber cuidados tanto quanto qualquer outra pessoa, viu?


Fui!


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